sexta-feira, 2 de maio de 2014

Uma carta para Catarina

Era uma festa. Comemorávamos a vinda de um bebê que ainda morava na barriga da mãe. Eu havia acabado de segurá-la para que ela passasse a pequena mão na água da fonte do jardim. Ela tentava colocar o dedo gorducho no buraco para que a água se espalhasse, como tinha visto uma criança mais velha fazer. Parecia encantada com a possibilidade de controlar a água. Tem 1 ano e oito meses, cabelos cacheados que lhe dão uma aparência de anjo barroco e uns olhos arregalados. Com olheiras, Catarina é um bebê com olheiras, embora durma bem e muito. De repente, ela enrijeceu o corpo e deu um grito: “A menina…. A menina…. Quebrou”.
Era um grito de horror. O primeiro que eu ouvia dela. Animação, manha, dor física, tudo isso eu já tinha ouvido de sua boca bonita. Aquele era um grito diferente. Não parecia um tom que se pudesse esperar de alguém que ainda precisava se esforçar para falar frases completas. Catarina estava aterrorizada. “A menina… A menina…” Ela continuava repetindo. Olhei para os lados e demorei um pouco a enxergar o que ela tinha visto em meio à tanta gente. Uma garota, de uns 10, 12 anos, talvez, com uma perna engessada. “Quebrou…” Catarina repetia. “A menina… quebrou.”
Ela não olhava para mim, como costuma fazer quando espera que eu esclareça alguma novidade do mundo. Era mais uma denúncia. Pelo resto da festa, ela gritou a mesma frase, no mesmo tom aterrorizado, sempre que a menina quebrada passava por perto. Nos aproximamos da garota, para que Catarina pudesse ver que ela parecia bem, e que os amigos se divertiam escrevendo e desenhando coisas no gesso, mas nada parecia diminuir o seu horror. Os adultos próximos tentaram explicar a ela que era algo passageiro. Mas ela não acreditava. Naquele sábado de janeiro Catarina descobriu que as pessoas quebravam.
Eu a peguei, olhei bem para ela, olho no olho, e tentei usar minha suposta credibilidade de madrinha: “A menina caiu, a perna quebrou, agora a perna está colando, e depois ela vai voltar a ser como antes”. Catarina me olhou com os olhos escancarados, e eu tive a certeza de que ela não acreditava. Ficamos nos encarando, em silêncio, e ela deve ter visto um pouco de vergonha no assoalho dos meus olhos. Era a primeira vez que eu mentia pra ela. E dali em diante, ela talvez intuísse, as mentiras não cessariam. Naquela noite, depois da festa, fui dormir envergonhada.
O que eu poderia dizer a você, Catarina? A verdade? A verdade você já sabia, você tinha acabado de descobrir. As pessoas quebram. Até as meninas quebram. E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida. E dão nomes mais palatáveis para a inveja e para o ódio que os queima. Mas à noite, Catarina, à noite, eles sabem.
E, Catarina, você tem toda a razão de duvidar. Depois de quebrar, nunca mais voltamos a ser como antes. Haverá sempre uma marca que será tão você quanto o tanto de você que ainda não quebrou. Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes. E isso é mais difícil do que aprender a andar e a falar. Isso é mais difícil do que qualquer uma das grandes aventuras contadas em livros e filmes. Isso é mais difícil do que qualquer outra coisa que você fará.
Existe gente, Catarina, que não consegue dar sentido, ou acha que os farelos de sentido que consegue escavar das pedras são insuficientes para justificar uma vida humana, e quebra. Quebra por inteiro. Estes você precisa respeitar, porque sofrem de delicadeza. E existe gente, Catarina, que só é capaz de dar um sentido bem pequenino, um sentido de papel, que pode ser derrubado mesmo com uma brisa. E essa brisa, Catarina, não pode ser soprada pela sua boca. Ser forte, Catarina, não é quebrar os outros, mas saber-se quebrado. É ser capaz de cuidar de seus barcos de papel – e também dos barcos dos outros – não como uma criança que os imagina poderosos, de aço. Mas sabendo que são de papel e que podem afundar de repente.
Não, acho que eu não poderia ter dito isso a você, Catarina. Não naquela noite, não agora. Ao lhe assegurar, cheia de autoridade de adulto, que tudo estava bem com a menina quebrada, com qualquer e com todas as meninas quebradas, o que eu dei a você foi um vislumbre da minha abissal fragilidade. Esta, Catarina, é uma verdade entre as tantas mentiras que lhe contei, ao tentar fazer com que acreditasse que eu seria capaz de proteger você. Vai chegar um momento, se é que já não houve, em que você vai olhar para todos nós, seus pais, seus “dindos”, seus avós e tios, e vai perceber que nós todos vivemos em cacos. E eu espero que você possa nos amar mais por isso.
Essa conversa, Catarina, está apenas adiada. Talvez, daqui a alguns anos, você precise me perguntar como se faz para viver quebrada. Ou por que vale a pena viver, mesmo se sabendo quebrada. E eu vou lhe contar uma história. Ela aconteceu alguns dias depois daquela festa em que você descobriu que até as meninas quebram. Nós estávamos na fila do caixa do supermercado perto de casa, com uma cesta cheia de compras, e havia um homem atrás de nós. Era um homem vestido com roupas velhas e sujas, parte delas quase farrapos. E ele cheirava mal. Poderia ser alguém que dorme na rua, ou alguém que se perdeu na rua por uns tempos. Ficamos com medo de que o segurança do supermercado tentasse tirá-lo dali, ou que a caixa o tratasse com rispidez, ou que as outras pessoas na fila começassem a demonstrar seu desconforto, como sabemos que acontece e que jamais poderia acontecer. Enquanto pensávamos nisso, ele nos abordou. E pediu, com toda a educação, mas com os olhos dolorosamente baixos: “Por favor, será que eu poderia passar na frente, porque tenho pouca coisa?”.
Quando lhe demos passagem, vimos que o homem não tinha pouca coisa. Ele só tinha uma. Sabe o que era, Catarina?
Um sabonete. Era o que havia entre as mãos de unhas compridas e sujas, junto com algumas moedas e notas amassadas, como em geral são as notas que valem pouco. Aquele homem, que parecia ter perdido quase tudo, aquele homem talvez ainda mais quebrado que a maioria, porque tinha perdido também a possibilidade de esconder suas fraturas, o que ele fez? Quando conseguiu juntar uns trocados, o que ele escolheu comprar? Um sabonete.
Catarina, talvez um dia, daqui a alguns anos, você volte a me olhar nos olhos e a dizer: “A menina… quebrou”. Ou: “Eu… quebrei”. E talvez você me pergunte como continuar ou por que continuar, mesmo quebrada. E eu vou poder lhe dizer, Catarina, pelo menos uma verdade: “Por causa do sabonete”. 


A menina quebrada: Uma carta para Catarina, que descobriu que até as crianças quebram.
por Eliane Brum, colunista da Revista Época .

sábado, 25 de janeiro de 2014

Casamento

**O texto mais lindo que já li sobre casamento!



Casamento ...

É difícil, é complicado, é pesado…mas garanto: é a melhor fase da vida!
Tem gente que fala que perde a liberdade, mas na verdade, você se torna livre para ser quem é de verdade, sem máscaras e sem pudores.
Tem gente que fala que não tem sexo todo dia. É óbvio que não tem sexo todo dia, mas tem conchinha todo dia, e tem sexo toda vez que vc quiser.
Ai falam que perde a magia, acaba a saudade, some a surpresa. Mas tem o convívio, as pequenas coisas, os mínimos detalhes.
O café da manhã de final de semana vira uma festa, a esticada da madrugada é amplamente comemorada, o instante mais simples se torna a lembrança mais divertida.
É o amadurecimento da relação, a continuidade do amor, o início da família.
Os problemas aumentam, mas quando são resolvidos, se tornam conquistas. As expectativas são outras, os desejos são outros, as vontades mudam, os valores se renovam, as idéias se transformam e se adaptam à nova realidade.
E tem os filhos…Meu Deus, os filhos. É a certeza definitiva de que vc fez a coisa certa ao se unir com alguém. Muda completamente o foco sobre todas as coisas e surge o verdadeiro sentido da vida.
Tem a segurança de chegar em casa e saber o que vai encontrar, a estabilidade de saber que sempre vai ter com quem contar, a certeza de não mais estar só.
E tem emoção sim…muita emoção!! Das brigas que fazem o prédio tremer, e depois ficar de bem e – de novo – fazer o prédio tremer, tem as escapadas durante o soninho das crianças, a pegada no quarto do lado, o carinho de leve no carro lotado, o sussurro na hora do jantar.
Também tem a troca de olhar que diz tudo sem ter que falar nada, o toque que arrepia só de encostar, a cumplicidade, o companheirismo, o cuidado, o cheiro, a pele, a conta conjunta, as contas para pagar, os problemas que não param de aparecer, as pessoas que querem atrapalhar, as lembranças do namoro que duram horas, as discussões que duram dias, a rotina que se arrasta e por vezes aniquila qualquer tentativa de novidade……………..isso é casamento.
É difícil, é complicado, é pesado, mas eu gosto…gosto muito!

 Fabiana Dias Cardoso

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

QUERO UM FILHO CONTIGO



 Eu compactuo com extremismos emocionais. O amor é extremista. O amor é tudo ou nada, é muita briga, é muita declaração, é muito do muito.

Só confio em parcelamento de contas, jamais em crediário do sentimento. No amor, pago mais do que à vista, faço questão de pagar adiantado.

Se, no meio da transa, minha mulher diz que deseja ter um filho comigo, fico ainda mais excitado. Não vou broxar, não vou puxar discussão, não vou sair de perto, não vou entend...
er como uma loucura. O pedido intensifica o arrebatamento, acelera as pernas, redobra o fôlego.

A frase é meu afrodisíaco, meu Viagra, meu Nirvana. Estalo os ossos das costas, estreio a boca.

“Quero um filho contigo” é um apelo para perder as reservas, os pudores, os medos; é quando o casal atinge a fé no relacionamento, é quando a esperança deixa de incomodar, quando os dois são um só e não fingem bom senso.

Não vejo nenhum problema em ter mais crianças, se posso sustentar e cuidar. Para mim, o futuro nunca foi um adiamento, o futuro é um convite.

Devo ser estranho, realmente um tipo incurável. Adoro quando minha mulher me confidencia no ouvido que deseja um filho comigo. É mais do que eu te amo, é eu te amo agora e também te amarei depois em nosso filho.

Nosso cheiro muda com a promessa, o corpo se incendeia, as palavras ganham ênfase, a respiração rejeita a paz.

Devo ser muito tolo e romântico, porém não me enervo com a súplica, eu me entrego ainda mais. Não sou um homem preventivo, que deixa de viver para evitar o pior. Vivo o dobro para chamar o melhor.

Tenho uma única vida para acertar, e há pouco tempo. Tenho uma imensa paixão pela minha mulher, e há pouco tempo.

Meus amigos me qualificam de burro, que eu precisava ser mais cauteloso, que peco pela ansiedade, que tomo decisões sem avaliar as consequências, que filho é uma trabalheira, que é sinônimo de privação e responsabilidade, que é para ir com calma na relação. Mas quem ama já prevendo pensão merece mesmo se separar.

Troco os pés pelas mãos de propósito, para segurar o amor com firmeza. Eu quero sempre ter um filho com minha mulher.

FABRICIO CARPINEJAR


Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 26/11/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17626

terça-feira, 26 de novembro de 2013

... Cuida do teu coração, cuidado com quem você deixa entrar...

 
 
Vai devagar… Pensa duas, três, quatro, quantas vezes forem necessárias pra não fazer bobagem. Cuida do teu coração, cuidado com quem você deixa entrar. Espera o tempo passar. Acredita menos… As pessoas não são tão legais quanto aparentam ser. Quem acredita menos, sofre na mesma proporção. Até quando você achar que é verdade, desconfie um pouquinho. Faz bem não se entregar totalmente logo de cara. ...Se arrisca mais, por você. Tenha coragem para dizer tudo que tens aí guardado. Seja forte para conseguir se manter calada perante alguns. Muda de rumo. Quando te mandarem ir por lá, vai pelo outro caminho. Ou vai apenas, pelo caminho do teu coração. Se você não aguentar mais fingir… Chore. Depois que você acabar de chorar, vai sentir-se mais leve. E então vai levantar a cabeça, lavar o rosto, pôr uma roupa bonita no corpo, um sorriso escandalosamente lindo no rosto e dizer que chega, que você vai é ser feliz. Eu sei, é assim mesmo. E vai funcionar! Não diga “nunca”, nunca. Irônico, não? Mas não diga. Porque essa vida é incrivelmente engraçada. Mais uma coisa. Você não pode ter medo que as pessoas te machuquem, viu. Porque as pessoas vão te machucar de vez em quando, até mesmo aqueles que você mais confia e admira. Não vão fazer por mal, mas somente porque são humanos. Cometemos erros ridículos com pessoas maravilhosas. Faz parte. Não esquece que cada um é cada um. Somos diferentes. Graças a Deus, somos. Vive um dia por vez, sem pressa e sem querer ser mais rápida que o tempo. E por favor, vai ser feliz, que tu ainda tem muito por viver!


#meuamor Caio Fernando de Abreu

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

... Por favor, sou tão ridiculamente fácil de decifrar e ainda insistem em seguir pelo caminho errado.



"Não me pergunte o que eu faço da vida, isso é banal, é triste, é comum. Queira saber o que me faz feliz, meu ponto fraco pras cócegas. Não pergunte o que me dá dinheiro, porque este é o menor dos meus sucessos. Esqueça meu nome verdadeiro, se eu venho sempre aqui, se estou gostando da música. Agir sem naturalidade é o seu maior fracasso. Se é mesmo importante que eu responda as perguntas que tanto desprezo, se definir o que sou vai te fazer mais feliz, se quer mesmo saber de mim, comece pelas entrelinhas. Pelo não dito. (...)Por favor, sou tão ridiculamente fácil de decifrar e ainda insistem em seguir pelo caminho errado. Exponho-me tanto e ainda querem uma cartilha. E fazem isso porque amam de relance, querem no momento e só por desafio. (...) Mas se quiser mesmo saber de mim, experimente não me perguntar. E talvez assim desperte minha vontade de contar."


VERÔNICA HEISS

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

... não sei se ainda te amo, mas posso me apaixonar de novo...

 
 
Olha, se um dia você quiser voltar
Não pense duas vezes, eu não sei pedir,
Mas sou tão boa em te querer de novo,
De repente, minha sinceridade me expõe,
Mas a gente cansa de se importar,
Eu tô tentando mesmo ser feliz,
Tô querendo olhar para o futuro
E te ver comigo, pra valer.

Se você tiver outro plano melhor,...

Eu aprendo a entender, nós poetas,
Pensamos que tudo é para sempre
Mesmo escrevendo sobre os finais.
Queria terminar contigo, minha vida.
Não sei se ainda te amo,
Mas posso me apaixonar de novo,
Deixar a porta entreaberta propositalmente...
Consegues ver meu sinal de alerta?

Me arrisquei muito neste tempo,
Procurar o amor não foi fácil,
A gente vai muito longe para encontrar
Algo que já passou pelo nosso caminho.
Foi num sábado a tarde e meus cabelos
Ainda estão molhados, essa é a minha
Lembrança do dia que descobri o amor.
Estou lá. Estou esperando que me abrace,
Porque seu abraço medroso me fortalece.
Não dou garantias, não posso te prometer nada,
Mas estou presa nesse segundo em que te amo
E não quero sair daqui, isso é o que sei.

Cáh Morandi

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que ...

 
 
Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também. Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar... também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena.
Remar.
Re - amar.
Amar.
 
Caio , sempre Caio!
 
#CFA